sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Apoio ao menor abandonado

Marco Antônio Campos Martins

1. Existe atualmente tendência para se canalizar sistematicamente parte do orçamento federal para investimentos em nutrição e saúde de contingentes jovens, especialmente de crianças carentes. Esta é a tendência que deve obviamente ser acentuada não apenas em magnitude, mas também em escopo. Em particular é necessário que se contenha o aparecimento de manifestações novas de carência, requerendo tratamentos específicos que tendem a pulverizar os recursos e diminuir a eficácia de sua aplicação. Infelizmente a pobreza e a urbanização já provocaram a ocorrência de um novo tipo de problema, o aparecimento de crianças que são simultaneamente carentes e abandonadas.

2. De acordo com dados colhidos pela CPI do Menor Abandonado existiam, em meados de 1976, pelo menos uns 2 milhões de crianças abandonadas perambulando pelo Brasil.

Ora, a probabilidade de que as crianças oriundas das populações pobres se tornem subnutridas e se retirem logo da escola é muito elevada, e deve tender rapidamente para 1 quando se tratar de crianças que além de carentes forem abandonadas. Essas engrossarão, sem dúvidas, os contingentes futuros de mão-de-obra não-qualificada e de subemprego. Básica e simplesmente porque lhes faltam condições para competir em pé de igualdade com as crianças oriundas das camadas não-carentes da população. Nesse sentido, não estivéssemos tratando de pessoas humanas, um programa concentrado de apoio à criança abandonada poderia ser justificado com os mesmos argumentos empregados para justificar o apoio à empresa nacional: queremos aumentar seu poder de concorrência e de sobrevivência no âmbito de uma economia altamente competitiva. Só que desta feita, não através de políticas de capitalização e de desenvolvimento tecnológico, mas de saúde e educação.

3. De acordo com este enfoque não faz sentido atacar o problema do menor abandonado com uma atitude assistencialista. O mínimo que um programa destinado a fortalecer a capacidade de competição dos menores abandonados deve fazer é garantir completa profissionalização. Felizmente, os retornos de investimentos voltados para a profissionalização da mão-de-obra tendem a ser substanciais e justificariam por si só um esforço concentrado em prol da educação do menor abandonado. Convém lembrar, essas elevadas taxas de retorno refletem uma escassez relativa de mão-de-obra qualificada para as empresas, que seriam então diretamente beneficiadas por um aumento de sua oferta.

4. Segundo estimamos com base nos depoimentos prestados à CPI os recursos mensais per capita destinados a cobrir as despesas operacionais e de capital, para manutenção de um menor abandonado amontam no mínimo a 70% do salário mínimo da Guanabara, isto é, a uns Cr$ 1.100,00 presentemente, podendo alcançar até 5 vezes este valor dependendo da natureza do programa.

Enquanto isso, segundo Relatório de Pesquisa n° 25 do INPES, os custos mensais por aluno do SENAI e da Escola Técnica em 1970, em S. Paulo, chegam a Cr$ 2.850,00 e Cr$ 1.325,00 (a preços de março de 1978) respectivamente, exclusive despesas com roupa, alimentação e moradia, incluídas na estimativa acima.

Em outras palavras, os recursos mínimos per capita necessários para a execução de um programa de apoio ao menor abandonado, que poderiam parecer exagerados através de uma visão assistencialista, se revelam inteiramente razoáveis quando encarados do ponto de vista de um programa destinado a profissionalizar o menor.

5. Dito isto, vamos abordar alguns aspectos específicos do problema.

Uma das conclusões mais importantes à qual chegou a CPI, foi de que o problema do menor abandonado somente poderá ser resolvido com o concurso da liderança efetiva da Presidência de República. De um lado há a magnitude dos recursos econômicos a serem empregados; de outro lado é necessário se promover o envolvimento de toda comunidade no projeto. A esse respeito, a CPI deixou claro que existe consenso político sobre a necessidade de se atacar imediatamente o problema. Apesar disto, as dificuldades para se obter ampla participação comunitária parecem insuperáveis. Mas não há paradoxo: o grande contingente de menores abandonados não passa de um grupo marginalizado, que não dispõe de qualquer representação política sistemática, tendendo por isto a receber apenas manifestações episódicas de apoio. Estas manifestações só poderão se tornar sistemáticas, levadas à prática, através da atuação de um organismo central ligado à Presidência de República.

6. Além disso é necessário se conceber mecanismos que estimulem a participação da coletividade. Neste sentido, dois aspectos nos parecem relevantes, um relativo à repartição do ônus econômico entre os governos federal, estaduais e municipais, outro relativo ao modelo de participação das comunidades no órgão executivo central que seria criado.

7. Com relação à repartição do ônus econômico o programa deveria, no nosso entendimento, atender dois requisitos básicos. Primeiro: condicionar o apoio federal à participação dos Estados e Municípios; segundo: permitir que parte da contribuição dos Municípios seja em espécie (p.ex., trabalho de voluntários).

O condicionamento da participação federal à contribuição dos Municípios é fundamental para o sucesso do programa - só através dela os Municípios demonstrariam motivação efetiva no sentido de atacar qualquer manifestação do problema na sua jurisdição. Já a permissão para que parte dos recursos dos Municípios seja em espécie visa de um lado dar aos municípios pobres a oportunidade de receber apoio federal, de outro lado a estimular a convocação de voluntariado.

Mais especificamente, a idéia é de que as quotas de contribuição federal, estadual e municipal fossem respectivamente de 40, 30 e 30%, podendo a quota municipal em espécie chegar até 20%, o restante em Cr$. O número de homens-horas de trabalho desenvolvido pelo voluntariado seria avaliado à razão do salário mínimo por hora da Guanabara. Doações e empresários de bens imóveis seriam avaliadas em termos de aluguel que fossem capazes de comandar.

Tomemos por exemplo o nível atual do salário mínimo da Guanabara, Cr$ 1.570. De acordo com a proposta acima o Governo Federal contribuiria com 40% de Cr$ 1.570 = Cr$ 628,00, o Estado com 30% de Cr$ 1.570 = Cr$ 471,00, e o Município com 30% de Cr$ 1.570 = Cr$ 471,00, per capita por mês. Se o Município tivesse 100 menores abandonados, teria que contribuir com Cr$ 47.100 mensais. Se este Município fosse contudo pobre, teria que entrar com apenas 10% dos recursos totais em dinheiro, isto é com apenas Cr$ 15.700 mensais. Os restantes Cr$ 31.400,00 poderiam ser em forma de trabalho voluntariado e doações ou empréstimos de imóveis. Suponhamos que fossem inteiramente em forma de trabalho voluntariado. Precisaria portanto de arregimentar um volume de trabalho equivalente ao desempenho de Cr$ 31.400/Cr$ 1.570 = 20 pessoas trabalhando 8 horas por dia.

Além disso é necessário que se permita a realocação de recursos. dentro de um mesmo Estado, das regiões ricas para as regiões pobres. Isto pode ser conseguido exigindo-se que o critério de repartição acima discutido vigore apenas para a média dos Municípios de determinado Estado, mas não para cada unidade municipal isoladamente. De acordo com essa proposta o Estado poderia, por exemplo, “transformar“ trabalho voluntariado, obtido dos centros de grande motivação, em Cr$ a serem alocados para o emprego de pessoas nos centros carentes não apenas de recursos financeiros mas também de recursos humanos.

8. É muito importante se garantir a participação das comunidades nos conselhos dos órgãos executivos municipais, estaduais e federais. Apenas por intermédio dessa garantia será possível (a) estimular o envolvimento comunitário efetivo, (b) interiorizar o programa e (c) adequá-lo as peculiaridades de cada região. A idéia seria de que os grupos comunitários fossem representados nos conselhos dos órgãos governamentais relacionados com o programa, da mesma forma que o setor privado participa das decisões
do CMN, CDI etc.

9. A estrutura administrativa deveria ser a mais simples e desburocratizada possível, especialmente em virtude da necessidade de se promover a interiorização do programa. Segundo opinião informal de técnico da SEMOR, o projeto apresentado pela CPI, denominado Dom Bosco, se encontra superdimensionado do ponto de vista organizacional, podendo levar anos para ser implantado. Nesse sentido, valeria à pena aproveitar a experiência executiva que o MOBRAL tem a oferecer.

10. Apesar da dramaticidade da situação atual (mais de 2.000.000 de crianças abandonadas) não poderíamos nem cogitar de implementar programa deste alcance abruptamente, menos pelos seus aspectos puramente econômicos, mais pelos problemas gerenciais envolvidos. De um lado poderíamos estabelecer metas anuais que visassem implementar o programa totalmente no decurso de uns 5 ou 6 anos. De outro lado é importante que recursos federais só sejam liberados para os municípios capazes de comprovar efetivamente sua capacidade de mobilização de recursos locais.

11. Independentemente de problemas ligados ao cronograma de execução de um programa global, o Governo poderia tomar imediatamente algumas medidas de grande alcance, sem para isso precisar mobilizar novos (ou pelo menos grandes) recursos orçamentários. Essas medidas são as seguintes:

a) extensão automática da assistência médica do INPS para os menores abandonados. Até que fosse possível efetuar o seu cadastramento, o credenciamento e encaminhamento seria desburocratizadamente feito por intermédio das instituições públicas e privadas, sem fins lucrativos, inclusive pelas instituições religiosas, que atualmente cuidam do menor;

b) extensão automática da merenda escolar para os menores abandonados. O credenciamento inicial seria realizado da mesma forma anterior. Esta medida poderia incentivar muitos menores perambulando pelas ruas a procurar grupos escolares. Mas para que não houvesse o risco de interferência desmedida com os trabalhos normais desses estabelecimentos de ensino, seria interessante permitir que a merenda escolar fosse também administrada pelas instituições sem fins lucrativos que cuidam do menor, especialmente pelas instituições religiosas e pelas CSU;

c) aplicação da Norma de Serviço nº 236/74 da Caixa Econômica Federal por todas as empresas públicas do Brasil e de economia mista, federais, estaduais e municipais, afim de generalizar a aprendizagem em serviço.

A Norma de Serviço n° 236/74 da CEF autoriza a assinatura de convênios entre filiais da Caixa e entidades de assistência a menores, de idoneidade comprovada e preferencialmente consideradas da utilidade pública, visando ministrar aprendizagem relacionada com serviços auxiliares a menos de 18 anos e maiores de 14 anos. As entidades comprovam, perante a CEF, que os menores estão matriculados em escolas ou colégios. O horário de aprendizagem é diurno, compatível com o da Caixa e a idade do menor, de forma a assegurar a este a continuidade dos estudos. O número de menores não poderá exceder de 10% a lotação da filial e, como compensação pelo trabalho prestado por menores que estiverem a seu serviço, a CEF contribui com recolhimento mensal, diretamente às entidades convenentes, com as seguintes importâncias: para os menores entre 14 e 16 anos, 75% do salário mínimo regional; entre 16 e 18 anos, 100% desse salário. Na época do depoimento do então presidente da CEF, Karlos Rischibieter, esse convênio atendia 491 menores;

d) eliminação de ociosidade de próprios governamentais, inclusive terras férteis que possam ser convertidas em fazendas de aprendizagem.

De acordo com depoimento prestado pelo Presidente da FEBEM-RGS, existia à época do depoimento grande ociosidade de próprios governamentais, como por exemplo 21 postos agropecuários do Ministro da Agricultura no RGS, subutilizados ou abandonados, que poderiam ser empregados pela FEBEM.

O Governo poderia requisitar o levantamento dessa ociosidade e colocar esses próprios à disposição das FEBEM“s nos casos em que não houvessem obviamente usos alternativos mais importantes;

e) levantamento da situação do menor abandonado pelo IBGE. As informações atualmente disponíveis são precárias.

13. Deixamos propositalmente de abordar aspectos relacionados (a) com o modelo de aplicação dos recursos e (b) com medidas legais, especialmente destinadas a estimular a adoção de menores abandonados, por fugirem do escopo desta Nota, ou por serem da alçada de especialistas.

CÍRCULO VICIOSO DA POBREZA

O problema do menor abandonado não é de hoje. É uma patologia de muitos séculos que não é uma simples manifestação política que vai resolver este caos. A questão sobre o menor abandonado é sistêmica, é estrutural, e perdurará por muitos séculos sem uma decisão precisa de como resolver tal dificuldade. Onde quer que esteja, o homem depara-se de imediato com menores infratores, com trombadinhas, com jovens prostitutas e com muitos outros tipos de delinqüências juvenis que a sociedade capitalista cultiva, com grande intensidade. E, de quem é a culpa? O que fazer para minorar tal problema tão agravante em sociedade tão paternalista que existe nos dias atuais? Como atacar o problema? Finalmente, como conscientizar essa sociedade que aí está, a ver o menor abandonado como um problema de segregação, não só econômica, mas igualmente social?

Quem acompanha a história universal de todo mundo político, verifica que a questão sobre o menor abandonado sempre existiu, e se aprofunda com as crises em que os sistemas político, econômico e social estão mergulhados. Ao estudar Karl MARX (1867) em seu livro "O Capital: A Lei Geral da Acumulação Capitalista" presenciam-se os absurdos próprios de um mundo que quer crescer muito além de suas capacidades e, além do mais, em detrimento de algumas classes sociais. Neste contexto, MARX[1] coloca de maneira muito clara que havendo igual opressão das massas, um país é tanto mais rico quanto mais proletários possua. Com isto, acentuam-se os problemas da pobreza que culminam com a mais trágica situação de miséria que o mundo de hoje enfrenta, e sem muitas perspectivas de em um futuro próximo, ter-se uma solução verdadeira.

Este estado de pobreza em que se vive hoje em dia, é mais culpa de uma sociedade protegida somente em favor dos acumuladores de capital. Nesta ótica, expressa Bernard de MANDEVILLE[2]: nos países onde a propriedade está bem protegida, é mais fácil viver sem dinheiro do que sem os pobres, pois quem faria o trabalho?... Se não se deve deixar os pobres morrerem de fome, não se lhes deve dar coisa alguma que lhes permita economizarem. Se esporadicamente um indivíduo, à custa de trabalho e de privações, se eleva acima das condições em que nasceu, ninguém lhe deve criar obstáculos: é inegável que para todo indivíduo, para toda família, o mais sábio é praticar a frugalidade; mas é interessante de todas as nações ricas que a maior parte dos pobres nunca fique desocupada e que, ao mesmo tempo, gaste sempre tudo o que ganha...

Assim, não é importante que os ricos gostem dos pobres, entretanto, o excesso de trabalhadores provoca pagamentos monetários muito aquém das condições de sobrevivência de cada um.

Um estado de pobreza absoluto é entendido, mesmo com salários necessários à auto-sustentação, como fomento de uma situação de tensão muito grande, e isto gera as convulsões sociais que se enfrenta cotidianamente. O importante não é somente um salário de sobrevivência, mas um salário justo para que a sociedade rica ou pobre possa viver condignamente, sem expandir a miséria, nem provocar depressões no seio dos prejudicados com as desigualdades sociais estimuladas pela desordem. A pobreza é a valorização do capital, porque dela se forma o exército industrial de reservas, ou o comumente chamado desemprego tecnológico, no entanto, este feitiço pode voltar-se contra o próprio feiticeiro, quando esta pobreza se torna absoluta e incontrolável, gerando as graves patologias sociais, e, às vezes, a queda do sistema vigente.

O importante neste contexto é o nível de conscientização que envolve uma determinada comunidade, ou uma nação qualquer. A formação de uma consciência nas diversas camadas da sociedade quanto ao problema da pobreza é imprescindível. É necessário acabar com o estigma que esta própria sociedade emprega contra as classes menos favorecidas, tais como as prostitutas, os homossexuais, os menores abandonados, os idosos, as mulheres e porque não dizer os trabalhadores da agricultura. Os tratamentos utilizados pelos pseudo-donos do poder fazem com que a pobreza, talvez não a econômica, mas a social elasteça muito mais o grau de desprezo e miséria em que vive a sociedade de pobreza quase absoluta. Pode-se viver com pouco salário e ter uma vida condigna, todavia um médio salário, talvez faça mais rápido um marginal do que um cidadão.

Com a Revolução Industrial do século XVIII, a miséria se intensificou de maneira absurda e incontrolável. São muitos os depoimentos de escritores de cada época, mostrando a decadência que o mundo presenciava, e fazendo previsões com grande probabilidade de acerto sobre as conseqüências dos altos ganhos de produtividade do capital em detrimento da mão-de-obra abundante que se acumula. Enfaticamente coloca Heinrich STORCH[3], o progresso da riqueza social gera àquela classe útil da sociedade... que executa as tarefas mais enfadonhas, mais sórdidas e repugnantes, em suma, se sobrecarrega com tudo o que a vida oferece de desagradável e de servil, proporcionando assim às outras classes lazer, alegria espiritual e aquela dignidade convencional de caráter.

Isto é o que oferece o grande capital para a sociedade moderna para o processo de degradação da cada vez maior da pobreza que se sujeita a qualquer tipo de humilhação para a sobrevivência.

E as igrejas, onde entram para apoiar aqueles que estão sendo dragados pelo capital? Não se sabe até hoje, qual é a atuação prática das igrejas. O que se ver são as orações ao sobrenatural, ao invisível. Muito fácil é fazer discursos eloqüentes em favor das classes minoritárias, pregar o bem geral. O difícil mesmo é atuar frente àqueles necessitados que sofrem todos os dias, em busca de momentos melhores que nunca chegam. São pouquíssimos os líderes de igreja que se aventuram contra os donos do poder, na tentativa de sanar os graves problemas que a pobreza absoluta enfrenta. Não se quer transcender ao além, quando as aberrações reais estão no dia-a-dia do assalariado, do homem do campo, dos favelados, das prostitutas, do menor carente e, sobretudo, daqueles que dão tudo e não tem nada, nem para a lida e nem para a morte.

A questão do menor abandonado não é isolada. Não se pode tratar o problema do menor que vive nas ruas por si só, mas em um contexto que envolve a evolução do sistema desde sua origem. O menor abandonado existe porque existe o sub-emprego, o desemprego, o estigma, a falta de produção, o desinvestimento, a inflação, alta taxa de juros, enfim, a patologia sócio/econômica. E, qual a terapia? No mundo atual é difícil, mas não é impossível. Primeiro tem-se que acabar com o estigma que é de profunda gravidade em uma sociedade desconscientizada de seus direitos e obrigações. Segundo, demolir de uma vez por todas as figuras do patrão e operário, com uma participação conjunta de todos no processo produtivo, ganhando de acordo com a sua produtividade marginal. Terceiro, conscientizar as classes de como viver bem sem segregação a alguém. Finalmente, dinamizar a estrutura econômica para que todos participem efetivamente da atividade econômica nacional.

A questão do menor abandonado, por ser um problema estrutural, qualquer solução sem mexer nas raízes da questão não resolve, é mero paliativo, que a muito tempo se vem adotando sem nenhuma resposta real ao que se precisa. Como se sabe, uma economia capitalista se alimenta das crises e é neste momento, que crescem os problemas sociais, em especial, o problema dos menores abandonados, onde se vai ter as criancinhas nos lixos apanhando comidas, cheirando cola, assaltando, roubando e, além do mais, convivendo com a podridão das praças públicas, fazendo das portas das lojas sua cama. É triste chegar perto de uma criança de rua e sentir seu mau cheiro, tanto do grude de seu corpo, como de sua roupa fedida e rasgada, como se fosse animal doméstico que perambula pelas praças em busca de comida e aconchego.

Inegavelmente, as crises têm provocado grandes distúrbios à população com a expansão da miséria em todos os recantos da nação atacada. Quem não recorda a grande crise de 24 de outubro de 1929 quando os níveis de desemprego se avolumaram, a produção nacional caiu abruptamente, jogando a população norte americana na miséria total e absoluta. Como relata John Maynard KEYNES[4]: um relatório de 1932, descrevendo a operação de despejos de lixo num depósito da cidade de Chicago, fixou um flagrante da miséria e da degradação a que foram arrastados esses milhões de pessoas: 'Em torno do caminhão que descarregava lixo e outros dejetos, havia cerca de 35 homens, mulheres e crianças. Nem bem o caminhão se afastou do monturo, atiraram-se a ele e puseram-se a cavar com paus, alguns com as próprias mãos, agarrando restos de comida e de gordura'.

Diante disto, ele quer mostrar o soldo de uma crise, comum no capitalismo que não oferece meios de uma vida melhor para todos indistintamente, mas a alguns mais espertos no processo.

Qualquer paliativo pode até ser adotado, como um método de minorar os sofrimentos daqueles que vivem na miséria absoluta, mas quando chega acompanhado de uma dosagem forte de conscientização de classe. Simplesmente o fato de criação de creches, de alguns sub-empregos, de dádivas de esmolas aos pedintes que passam, não é o suficiente para destronar o mau da fome, da desnutrição, da falta de habitação, e de alguns males que maltratam o povo pobre do mundo inteiro. Não se prega aqui a falência do capitalismo, ou do socialismo, mas um sistema mais justo, mais igualitário, e mais humano. Os seres viventes deste planeta não pediram para nascer, todavia já nasceram, devem ter uma vida condigna como seres humanos de qualquer etnia, credo religioso, ou classe social.

Em suma, precisa-se sair do marasmo do individualismo, do egoísmo particularizado, e partir para um trabalho de base que mostre ao próximo, os caminhos da verdade e da vida, assim como, o próprio JESUS teria ensinado ao seu povo, seguidores ou não. Porém, a terapia mais correta é o aconchego ao irmão, com uma palavra de carinho, de amor, sobretudo, de verdades reais e sinceras. JESUS o CRISTO teria pregado a seus seguidores a verdade, e esta verdade deve ser interpretada de maneira mais clara possível, sem luta armada, nem ataques pessoais. É importante que se lute com as armas da consciência e da sapiência, dando ao irmão os meios para que ele viva, nunca doar o peixe já pronto para ser consumido. A luta continua de maneira concreta e ativa. Os que se locupletam hoje, são os enfermos de amanhã, porém não se deseja que a sociedade continue na mesma peregrinação que se observa hoje em dia.